Home / Letra: C / Carlos Páez Vilaró

Carlos Páez Vilaró foi um dos primeiros artistas visuais do Uruguai a representar com profundidade e respeito a cultura afro-uruguaia.

Em seus trabalhos, especialmente nas décadas de 1950 e 1960, a estética e os elementos da população negra do país se tornaram protagonistas.

As figuras dos tamborileiros, as danças do candombe, os rostos estilizados e os corpos em movimento aparecem com frequência em suas pinturas, murais e esculturas, sendo um dos eixos fundamentais de sua expressão artística.

Ateliê

O ateliê de Vilaró não era apenas um espaço de trabalho, mas um ponto de encontro de artistas, intelectuais e visitantes de todas as partes do mundo.

Em Casapueblo, esse espaço ganhou contornos simbólicos, onde a criação acontecia diante do mar. Com grandes janelas voltadas para o Oceano Atlântico, o ateliê tornava-se uma extensão do ambiente natural, refletindo a integração entre arte, arquitetura e paisagem.

Buenos Aires

Antes de retornar ao Uruguai e iniciar sua carreira consolidada, Páez Vilaró morou em Buenos Aires, onde trabalhou em gráficas e ateliês.

Esse período foi essencial para seu amadurecimento técnico e para o contato com diferentes formas de expressão gráfica.

A cidade argentina também foi uma das primeiras a reconhecer seu talento, proporcionando-lhe suas primeiras exposições.

Candombe

O candombe é um gênero musical afro-uruguaio marcado por ritmos percussivos tocados com tambores específicos: chico, repique e piano.

Vilaró incorporou o candombe como tema constante em sua produção visual. Os ritmos, os desfiles de comparsas e os personagens típicos da manifestação, como os escoberos e os mama viejas, estão presentes em obras que retratam a vibração cultural de bairros como Palermo e Sur, onde viviam as comunidades negras de Montevidéu.

Casapueblo

Construída por etapas ao longo de mais de 30 anos, Casapueblo é considerada uma escultura habitável. Localizada em Punta Ballena, no Uruguai, a construção reflete a liberdade formal do artista, com formas orgânicas, ausência de linhas retas e predominância do branco.

Inicialmente concebida como casa de veraneio e ateliê, Casapueblo se transformou em museu, galeria de arte e hotel, sendo hoje um dos principais cartões-postais do país.

Cerâmica

A cerâmica foi um dos primeiros meios expressivos que Páez Vilaró dominou com profundidade. Inspirado por tradições latino-americanas e africanas, criou peças únicas, painéis decorativos e murais cerâmicos em espaços públicos e privados.

Os temas variavam de cenas do cotidiano a representações míticas e religiosas. A textura e o relevo desses trabalhos reforçam o caráter tátil de sua arte.

Escultura

A escultura ocupou papel de destaque na carreira de Vilaró, especialmente nas últimas décadas de sua vida. Com uso de cimento, argamassa e outros materiais acessíveis, produziu obras tridimensionais em formatos monumentais e decorativos.

Suas esculturas habitam praças, jardins e fachadas de edifícios em vários países, sempre marcadas por contornos ondulados, formas antropomórficas e simbologia própria.

Hotel Casapueblo

Uma parte da construção de Casapueblo foi adaptada para hospedagem. Os quartos foram batizados com nomes de artistas, músicos e poetas que inspiraram Vilaró. Os hóspedes não apenas se hospedam em um hotel, mas vivem em meio à arte.

Os espaços são decorados com obras originais do artista, enquanto o pôr do sol é celebrado com um poema de sua autoria, narrado todos os dias.

Muralismo

Páez Vilaró dedicou-se intensamente à arte mural. Executou obras de grande porte em países como Argentina, Chile, Brasil, Panamá, Haiti, Estados Unidos, França, Itália, África do Sul e Taiti.

O mural Raíces de Paz, na sede da OEA em Washington, é um dos mais conhecidos. Seus murais mesclam pintura, relevo e cerâmica, com temas ligados à paz, à miscigenação cultural e à solidariedade.

Montevidéu

Cidade natal do artista, Montevidéu foi onde ele teve seu primeiro contato com o universo da arte e das tradições afro-uruguaias.

O bairro Palermo, em especial, teve papel determinante em sua formação estética. O convívio com comunidades negras, os sons do candombe e a vivência nas ruas moldaram sua sensibilidade social e cultural.

Obra Literária

Além das artes visuais, Vilaró também se expressou pela escrita. Publicou livros de poemas, crônicas e memórias.

Em Entre Mi Hijo y Yo, La Luna, ele relata com emoção a busca pelo filho Carlos Miguel, sobrevivente do acidente aéreo de 1972 nos Andes. Sua escrita, tal como sua pintura, é marcada pelo lirismo, pela sensibilidade humana e pelo amor à vida.

Punta Ballena

A península de Punta Ballena, a 13 km de Punta del Este, foi escolhida por Páez Vilaró para abrigar sua residência e obra.

A localização privilegiada, com vista ampla para o mar, contribuiu para o caráter contemplativo de Casapueblo. O local tornou-se símbolo de arte integrada à paisagem, atraindo visitantes do mundo todo.

Sobrevivente dos Andes

Em 1972, um avião que levava uma equipe de rúgbi uruguaia caiu nos Andes. Carlos Miguel Páez, filho de Carlos Páez Vilaró, foi um dos 16 sobreviventes.

O artista acompanhou pessoalmente as buscas, recusando-se a aceitar a morte do filho. O episódio teve enorme impacto emocional em sua vida e produziu ressonância em sua arte posterior, marcada por temas de resistência e esperança.

Temas Religiosos e Místicos

Embora não religioso no sentido institucional, Vilaró abordou com frequência a espiritualidade em suas obras.

Criou painéis e murais com imagens de santos, sincretismos afro-católicos, representações do sol e da lua, bem como abstrações simbólicas que evocam o sagrado. Sua arte não se prende a dogmas, mas explora o misticismo e a ligação do ser humano com o universo.

Uruguay

A identidade nacional uruguaia está intrinsecamente presente na obra de Vilaró. O artista exaltava os costumes, as manifestações populares, a paisagem e os personagens típicos do país.

Ao mesmo tempo, seu trabalho transbordou fronteiras, sendo reconhecido como um representante latino-americano de expressão universal.

Viagens Internacionais

Ao longo da vida, Vilaró percorreu mais de 30 países, estabelecendo contato com culturas diversas. Esteve na África, América Central, Polinésia, Europa e Ásia.

Em cada lugar, absorveu elementos que alimentaram sua produção. Seus murais em hospitais, escolas, embaixadas e centros culturais evidenciam o caráter global de sua atuação.

Vida Cotidiana

A obra de Vilaró também refletia cenas simples do cotidiano: mulheres com vasos na cabeça, crianças brincando, tambores em festa, pescadores na beira do mar.

Sua arte dialoga com o povo, com a rua, com o tempo presente. Cada traço carrega algo de autobiográfico e de observação atenta do mundo ao seu redor.

Voz Poética

Mesmo quando não escrevia, a linguagem poética se fazia presente nas cores, nas curvas e na musicalidade visual de suas criações. O ritmo, a harmonia dos elementos, a fluidez dos contornos e a emoção transmitida pelas imagens tornam sua obra profundamente sensível, envolvente e comovente.

Zelo pela Memória

Vilaró preocupou-se com o registro de sua obra e de sua trajetória. Organizou livros, depoimentos, vídeos e arquivos que permitissem às gerações futuras compreender seu trabalho. Casapueblo funciona também como guardião dessa memória, mantendo viva sua presença e seu legado.

Considerações Finais

Carlos Páez Vilaró construiu uma carreira guiada pela paixão, pela curiosidade e pelo desejo de conexão com a humanidade.

Ao transitar entre diferentes linguagens e culturas, deixou uma obra viva, acessível e profundamente ligada às raízes sul-americanas.

Sua contribuição continua a inspirar artistas, arquitetos e estudiosos da arte e da cultura popular latino-americana.